Segunda, 08 de agosto de 2005 - 15h18min
Diversidade de peixes no Pantanal: Porque conservar?
Por Débora Karla Silvestre Marques *
Atualmente, os conceitos “biodiversidade” e “conservação” são considerados indispensáveis para o desenvolvimento sustentável nas diversas regiões do mundo. A biodiversidade engloba tanto a diversidade de espécies quanto a diversidade genética, que, por sua vez, reflete a variedade de genes e pode ser estudada em nível de espécie ou de populações de uma mesma espécie. Normalmente, quando nos referimos a recursos naturais, conservação e biodiversidade são inter-dependentes.
Em sentido amplo, de acordo com o “Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente”, publicado pelo IBGE em 2004, o conjunto de atividades e políticas que asseguram a contínua disponibilidade e existência de um recurso garante a conservação. Este assunto tem sido amplamente debatido, dada a intensificação do uso dos recursos naturais pelas demandas oriundas do crescimento populacional humano, seja pela exploração direta ou por meio de agentes poluentes ou modificadores do ambiente.
O Pantanal é uma vasta planície alagável localizada na Bacia do Alto Paraguai (BAP), que abrange áreas do Brasil, Paraguai e Bolívia, considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e reconhecido, em 2000, como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).Esta região apresenta um regime hidrológico peculiar que se caracteriza pela alteração sazonal dos níveis dos rios, chamada pulso de inundação, que está entre os principais fatores que regem o funcionamento do sistema e garantem a biodiversidade, representada por mais de 650 espécies de aves, 80 espécies de mamíferos, 50 espécies de répteis, 2.000 espécies de plantas e mais de 260 espécies de peixes.
Britski e colaboradores, no livro “Peixes do Pantanal”, publicado em 1999, listaram a ocorrência de 11 ordens de peixes, representadas por 109 espécies de Characiformes, 105 de Siluriformes, 16 de Perciformes, 12 de Gymnotiformes, 11 de Cyprinodontiformes e 11 de espécies distribuídas nos grupos Myliobatiformes, Clupeiformes, Beloniformes, Synbranchiformes, Pleuronectiformes e Lepidosireniformes.
A diversidade da fauna de peixes do Pantanal existe graças a processos evolutivos, com desenvolvimento de diferentes estratégias de uso dos recursos ambientais, principalmente quanto à obtenção de energia por meio da alimentação. Assim, nesta região, há peixes detritívoros (que se alimentam de restos de animais e vegetais, encontrados no fundo dos rios), herbívoros (alimentam-se de folhas e frutos), carnívoros (que se alimentam de peixes, por exemplo) e suas variações, que são outras formas de alimentação, como, por exemplo, insetívoros, iliófagos (que se alimentam de lama), lepidófagos (que se alimentam de escamas), etc.
A pesca, nas modalidades profissional e esportiva, representa a segunda atividade econômica mais importante no Pantanal e ocupa mão-de-obra desde a catação de iscas vivas à pesca propriamente dita, para fins comerciais ou para a própria subsistência. O conhecimento da diversidade de peixes e do ambiente no qual ela se desenvolveu é de extrema importância para o bom desempenho da pesca. É necessário, para o pescador, saber as características morfológicas e comportamentais das espécies de peixes, bem como os seus padrões de migração, seus hábitos alimentares e as relações entre as espécies e destas com o meio em que vivem. Esta é a “ciência natural” adquirida pelo homem ao longo de sua evolução em paralelo com a evolução do ambiente no qual está inserido, e que permite uma exploração do recurso natural de forma naturalmente sustentável.
Para a conservação e uso sustentado dos recursos naturais são feitos manejos, com planejamento e procedimentos baseados em pesquisas científicas.Neste sentido, a Embrapa Pantanal vem há anos estudando os recursos pesqueiros, a fim de conhecer sua biologia, ecologia e genética para gerar subsídios para sua conservação e uso sustentado.O manejo de estoques pesqueiros utiliza medidas de ordenamento como a definição de épocas de pesca, respeitando, por exemplo, o período de reprodução das espécies - chamado “período de defeso”; restrição do uso de petrechos de pesca, proibindo aqueles equipamentos pouco seletivos, que, portanto, desfalcariam as populações em várias faixas etárias, incluindo os juvenis; e definindo os tamanhos dos indivíduos capturados – “tamanho mínimo de captura”, evitando que sejam capturados os indivíduos que nunca se reproduziram.
O tamanho mínimo de captura é aquele acima do qual todos os indivíduos de uma determinada espécie já se reproduziram pelo menos uma vez. Levando-se em conta que uma única reprodução de um peixe significa a produção de milhares de ovos e dezenas de novos indivíduos, ao se adotar o tamanho mínimo de captura, se considera que estão sendo capturados indivíduos que já deram uma contribuição significativa para a sua população de origem.
Adota-se também como medida de ordenamento as cotas de captura. Por exemplo, atualmente no Pantanal é permitido ao pescador esportivo capturar 10kg de peixes mais um exemplar (Decreto nº 10.634 de 2002).Podem ser feitas restrições quanto às atividades a serem realizadas em determinados locais. Em alguns rios a pesca não é permitida. Em outros, apenas algumas modalidades de pesca podem ocorrer. Por exemplo, no Pantanal a pesca no rio Vermelho só pode ser realizada nas modalidades pesque-e-solte e para subsistência (Deliberação CECA nº 003 de 2000).
De forma geral, a associação de políticas públicas com as atividades da sociedade e a realização de pesquisas garante a efetividade do manejo no uso e conservação dos recursos naturais.
* Pesquisadora na área de Recursos Pesqueiros na Embrapa Pantanal e doutora em Ciências.
Email: marques@cpap.embrapa.br
Fonte: Embrapa Pantanal