Quinta, 30 de dezembro de 2010 - 08h41min
Plantas exóticas invasoras: um inimigo ainda pouco reconhecido no Brasil
Por Glaucia de Figueiredo Nachtigal
De acordo com a definição adotada pela Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica (CDB, 1992), na sexta Conferência das Partes (COP-6, Decisão VI/23, 2002), uma espécie é considerada exótica (ou introduzida) quando situada em um local diferente ao de sua distribuição natural, devido à introdução mediada, voluntária ou involuntariamente, por ações humanas. Se a espécie exótica consegue se reproduzir e gerar descendentes férteis, com alta probabilidade de sobreviver no novo habitat, ela é considerada estabelecida (naturalizada). Caso a espécie estabelecida expanda sua distribuição no novo habitat, ameaçando a diversidade biológica nativa, ela passa a ser considerada uma espécie exótica invasora.
Essas espécies, por suas vantagens competitivas e favorecidas pela ausência de predadores, dominam os nichos ocupados pelas espécies nativas, notadamente em ambientes frágeis e degradados. Espécies vegetais exóticas invasoras são reconhecidas, atualmente, como uma das maiores ameaças biológicas ao meio ambiente, com enormes prejuízos à economia, à biodiversidade e aos ecossistemas naturais, além dos riscos à saúde humana.
Introduções intencionais de espécies vegetais são motivadas para fins sociais, econômicos e até ambientais. Espécies vem sendo introduzidas para embelezar praças e jardins, para uso na agropecuária, para fins religiosos e medicinais, dentre outras possibilidades.
Em agricultura a problemática das espécies de plantas exóticas invasoras pode ser dividida em duas categorias: espécies que invadiram ecossistemas naturais e plantas invasoras de importância na agricultura. As plantas exóticas invasoras estão em vários estágios de invasão, desde aquelas que se tornaram invasivas recentemente, até aquelas que estão presentes por longos períodos e tornaram-se naturalizadas. Embora somente poucas espécies de plantas exóticas tornem-se invasoras de comunidades naturais, desenvolvendo altas densidades populacionais, aquelas que assim o fazem tornam-se limitantes à manutenção da biodiversidade.
Espécies nativas também podem se comportar como invasoras, proliferando-se rapidamente dentro de comunidades naturais devido a perturbações criadas por alteração e manipulação do habitat original.
Os danos econômicos oriundos da disseminação das plantas exóticas invasoras são bastante significativos e, embora o custo monetário possa ser estimado, é difícil, ou mesmo impossível, valorar as perdas decorrentes do impacto ambiental, não raro expresso pela extinção de espécies nativas, pela perda de serviços ambientais e pelos custos derivados de problemas à saúde humana gerados, por exemplo, pela manutenção de ambiente propício à manutenção de vetores transmissores de doenças.
A presença de espécies exóticas invasoras em unidades de conservação integral (refúgios naturais que devem ser salvaguardados em regime de perpetuidade) é incompatível com a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais e devem ser foco de erradicação. Invasões biológicas, ao contrário de outras formas de degradação, tendem a crescer indefinidamente ao longo do tempo e, devido à crescente pressão de propágulos existentes nessas áreas, assim como à fragmentação e à antropização das áreas do entorno, demandam ação imediata. Em unidades de conservação de uso sustentável, as espécies exóticas utilizadas com fins produtivos devem ser manejadas em regime de controle e contenção para evitar a proliferação para fora das áreas destinadas ao cultivo. Para essas categorias de manejo, bem como para as zonas de amortecimento de unidades de proteção integral, é muito importante que seja produzida regulamentação para uso e produção de espécies exóticas, assim como a eventual substituição de espécies cujo controle não é viável por outras alternativas econômicas.
O Brasil, como signatário da CDB, deve “impedir que sejam introduzidas, controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies” (Artigo 8 da CDB), porém, embora espécies vegetais exóticas sejam uma realidade no País, pouco são percebidas pela maioria da sociedade quanto ao potencial invasivo a diferentes ecossistemas e aos impactos econômicos, ecológicos e culturais significativos decorrentes.
Atualmente, há registro de mais de 100 plantas exóticas invasoras catalogadas no banco de dados integrado ao grupo temático sobre espécies exóticas invasoras (I3N) da Rede Inter-americana de Informação sobre Biodiversidade (IABIN), gerenciado no Brasil pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental e pela The Nature Conservancy (TNC).
A flora exótica invasora no Rio Grande do Sul, em sua maioria é constituída por espécies que escaparam de cultivo tanto para fins forrageiros (gramíneas e leguminosas), como no caso do capim-annoni-2 (Eragrostis plana Nees), quanto para fins ornamentais, à exemplo do amarelinho (Tecoma stans), e de espécies com introdução acidental, relacionada ao processo de colonização, urbanização e antropização do ambiente natural.
Os registros de ocorrência apresentados são apenas um referencial, pois apesar dos esforços para o mapeamento das invasões biológicas, pouco se sabe sobre a presença de espécies exóticas invasoras na grande maioria dos Estados brasileiros. A existência de uma lista oficial estadual de plantas exóticas invasoras e o conhecimento das possíveis ameaças presentes em Estados e países vizinhos é fundamental para o estabelecimento de prioridades e para permitir a tomada de decisão quanto às ações de prevenção, controle e monitoramento de tais espécies.
Iniciativas eficientes que contribuam para a implementação de práticas de manejo e para a reduzida incidência de invasões biológicas têm sido alvo de esforços cooperativos internacionais, tais como do Programa Global de Espécies Invasivas (GISP), cujas categorias de manejo das espécies exóticas invasoras englobam o controle preventivo, físico, químico e biológico, educação, legislação, pesquisa e manejo integrado de pragas (MPI).
No Rio Grande do Sul, a Embrapa Clima Temperado tem investido esforços de pesquisa no controle biológico do capim-annoni-2, buscando identificar a estratégia mais adequada de implementação de inimigos naturais, especialmente em áreas de conservação e campos nativos, com vistas a sua inserção no manejo integrado da espécie alvo. Nos sistemas produtivos da região Sul do Brasil, enfoque tem sido dado na busca de inimigos naturais a serem desenvolvidos como agentes de biocontrole de tiririca roxa (Cyperus rotundus L.) e grama-seda (Cynodon dactylon (L.) Pers.).
Pesquisadora da Embrapa Clima Temperado - Pelotas/RS
Fonte: Embrapa Clima Temperado