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Quarta, 05 de maio de 2004 - 10h03min
Vinho: Safra 2004 na Serra Gaúcha
Por Francisco Mandelli * e Mauro Zanus **
As condições climáticas favoráveis, as melhorias na estrutura e no manejo dos parreirais e da tecnologia de vinificação habilitam a Serra Gaúcha a elaborar, em 2004, uma quantidade significativa de vinhos tintos de primeira qualidade.

Francisco Mandelli * e Mauro Zanus **
Foto: Viviane Zanella Bello Fialho / Embrapa Uva e Vinho
A qualidade das principais uvas para vinhos tintos – como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc,Merlot e Tannat –é definida principalmentepelas condições climáticas dos meses em que ocorre a maturação, da fase de mudança de cor dos frutos à colheita. Em 2004 este período ocorreu mais tarde do que o normal, aproximadamente entre os dias 15 de janeiro a 15 de março.Os dados referentes a Bento Gonçalves, com a ocorrência do número de dias com precipitação,número de horas de brilho solar e temperaturas (média,máxima e mínima) são apresentados na Tabela 1.

Tabela de condições meteorológicas da safra de 2004 no período de maturação das uvas tintas
Fonte: Estação Agroclimatológica da Embrapa-Uva e Vinho
Os dados mostram que o período de maturação das principais uvas tintas se caracterizou por dias ensolarados,com pouca chuva e temperaturas mais amenas do que o normal. Isto inibiua podridão das uvas, permitindo realizar a colheita quando os frutos apresentavam casca, polpa e sementes em estágio ideal de maturação. As bagas puderam sintetizar e acumular mais açúcares, pigmentos, taninos, substâncias aromáticas e seus precursores. A absorção de água pelas videiras com um nível de restrição maior que em outros anos produziu frutos mais concentrados em açúcares (com 18 a 21 oBabo) e em substâncias orgânicas e minerais.
As temperaturas de verão relativamente amenas são uma característica importante e de distinção para a região vitícola da Serra Gaúcha. Em 2004, em Bento Gonçalves, a temperatura média do mês mais quente do ano (janeiro)foi de 21,8 oC. Como referência, têm-se as regiões de Bordeaux e Borgonha,em que a temperatura média do mês mais quente não é muito inferior, média histórica igual a 21,2 oC (p/agosto) e 20,9 oC (p/julho), respectivamente.Considerando a média diária das temperaturas máximas e mínimas ocorridas em fevereiro, verifica-se que foram cerca de 1,2 oC menor do que a média histórica. Isto, possivelmente,determinou uma diminuição na combustão do ácido málico,aumentando a acidez dos frutos. De fato, em 2004, verificou-se que os mostos das uvas finas tintas apresentaram, na média,uma acidez entre 90 a 120 meq/L. Uma parte importante desta acidez será perdida pelo processo de fermentação malolática e de estabilização dos vinhos. O adicional de acidez contribuirá para o adequado envelhecimento dos vinhos e para o equilíbrio de sabor, uma vez que o teor alcoólico também será maior do que o normal, entre 12,0 a 13,5 %.As temperaturas moderadas ajudam a explicar, em parte,o porquê da elevada intensidade de cor dos vinhos desta safra – conformevem sendo apontado por enólogos de diversas vinícolas da região. O metabolismo bioquímico que leva à síntese de substâncias fenólicas – da qual fazem parte as antocianas dos frutos– éfavorecido pelas temperaturas mais amenas, principalmente as noturnas. Além disso, a acidez adicional obtida devido às baixas temperaturas contribuiu para que o pH dos vinhos ficasse entre 3,5 a 3,8. Isto garante uma boa proporção de antocianas na forma ativa (cátions flavilium) e preserva a vivacidade de cor dos vinhos.

Vinho tinto 2004 elaborado na cantina experimental da Embrapa Uva e Vinho
Foto: Viviane Zanella Bello Fialho / Embrapa Uva e Vinho
Há um consenso entre agrônomos e enólogos de que outros fatores, além do clima, contribuíram para a melhoria na qualidade das uvas. Recentemente houve um incremento naimplantação de vinhedos com mudas de alta qualidade genética e isentas de vírus. Videiras sem o vírus do enrolamento da folha (“leafroll virus”), por exemplo,produzem frutos que atingem cerca de 2 graus a mais de maturação, com mais açúcares, pigmentos e taninos – isto ocorre independente das condições climáticas. As melhorias no sistema de cultivo das videiras, baseadas, principalmente, na diminuição do seu vigor vegetativo, uso racional da adubaçãoe no controle daprodutividade/planta, vêm também contribuindo para que as uvas alcancem estágios mais avançados de maturação.
Os avanços recentes realizados pelas vinícolas quanto à tecnologia de vinificação também são importantes na evolução da qualidade dos vinhos. A tecnologia e os equipamentos parafermentação e extração dos compostos da casca vêm se adequando às melhorias obtidas na matéria-prima. Uvas mais maduras apresentam cascas e sementes com taninos de melhor qualidade, menos agressivos,e que não atribuem gostos herbáceos aos vinhos.Na safra 2004 os enólogos puderam macerar as uvas por mais tempo, possibilitando obtervinhos de maior estrutura e mais concentrados.Estes vinhos – devido ao seu conteúdo em antioxidantes e adequada acidez – apresentam um excelente potencial para maturar em barricas de carvalho e podem desenvolver uma maior complexidade aromática (“bouquet”) durante a fase de envelhecimento em garrafa.
A Serra Gaúcha, pouco a pouco, começa a se destacar pela aptidão em produzir vinhos tintos de elevada qualidade –e não, somente, pela produção de vinhos brancos e espumantes. O aumento do grau de maturação das uvas devido à melhoria dos vinhedos, bem como os avanços na tecnologia de vinificação,vêm permitindo, aumentar, ano após ano, o percentual de vinhos tintosbrasileiros“premium quality”, como pode ser comprovado ao longo dos trabalhos da Avaliação Nacional de Vinhos. Este evento, que reúne enólogos do Brasil e do exterior, é realizado anualmente pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), com apoio técnico da Embrapa Uva e Vinho,e objetiva avaliar a potencialidade das safras vitícolas. Os vinhos relativamente magros e de aroma simples, apenas vinoso,ainda existem numa proporção importante, porém é cada vez mais freqüente aqueles de coloração mais intensa, com aroma mais rico, de maior volume em boca, equilibrados em álcool e acidez, de sabor complexo e persistente. Vindimas ensolaradas e de pouca chuva como a de 2004 contribuem para aumentar, ainda mais,o percentual destes vinhos.
* Francisco Mandelli - pesquisador em Agrometeorologia da Embrapa Uva e Vinho desde 1989.
** Mauro Zanus - pesquisador em Enologia da Embrapa Uva e Vinho desde 1989, diretor de degustação da Associação Brasileira de Enologia – ABE.
Fonte: Viviane Zanella Bello Fialho / Embrapa Uva e Vinho
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