Entrevistas
Francisco Lineu Schardong
Diretor Administrativo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul)Fabricado em Triunfo/RS e nascido em Porto Alegre, como ele próprio diz, o produtor rural Francisco Lineu Schardong, 74 anos, é uma personalidade constante em exposições e feiras no interior gaúcho e em mobilizações da classe produtiva. Assim era até pouco tempo atrás, antes da pandemia de Covid-19 cancelar praticamente todos os eventos, incluindo a Expointer 2020. Aliás, “Chicão”, como é conhecido pelos mais íntimos, já está vacinado — para alegria da esposa, Lúcia Regina, dos dois filhos, Carlos Frederico e Ana Rita, e de seus quatro netos.
Engenheiro agrônomo aposentado da Secretaria Estadual da Agricultura, ex-vereador e ex-prefeito de Triunfo, Schardong construiu uma trajetória marcante como sindicalista. Faz parte, há mais de 30 anos, da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Apaixonado pelo campo e pelas tradições gaúchas, buscou sempre representar fielmente os interesses do produtor rural nas mais diversas frentes. Nesta entrevista concedida ao portal Página Rural por telefone ele conta um pouco de sua caminhada no setor.
Página Rural — Quando despertou essa sua paixão pelo campo?
Francisco Schardong — Desde pequeno, sempre estive na lida. Tirei o primário, o ginásio e o científico no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, por doze anos, e passava as férias em Triunfo, na fazenda da família, a Granja das Figueiras. Sempre acompanhei o trabalho com o meu pai, já antes da faculdade, assumindo tarefas e ajudando em tudo.
A família trabalhava muito com silvicultura, então essa parte ficou com meu pai e eu fiquei mais com a parte de pecuária. Ela investia em matas de eucalipto e fornecia matéria-prima para Porto Alegre. Naquela época, na A. J. Renner e na maltaria da Brahma, por exemplo, todas as caldeiras eram movidas a lenha. Então nos dedicamos a isso, e tinham barcos trabalhando no rio para puxar esse material, porque todo o transporte ainda era fluvial.
Comecei cedo, ainda quando era estudante no científico. Depois, fiz quatro anos de Agronomia e me formei em 1970, pela Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
PR — O que mudou nos tempos de faculdade?
Schardong — Durante aqueles quatro anos, eu fiz muitos estágios, junto com o professor Lobato, que foi meu colega de turma (José Fernando Piva Lobato, professor do Departamento de Zootecnia da Ufrgs). A gente caminhou e trabalhou por esse Rio Grande todo. Na própria faculdade e depois como engenheiro agrônomo da Secretaria da Agricultura do RS, onde me aposentei.
O curso de Agronomia exigia alguns trabalhos, e pude escolher o segmento: agricultura, pecuária, pastagens... Eu me dediquei principalmente na pecuária, nas pastagens, e alguma coisa de agricultura básica. Aprendi o que eu precisava para o meu futuro depois. Onde eu ia trabalhar, eu buscava os ensinamentos. Depois, vim me especializando. Hoje é bem diferente do que era quando comecei lá atrás, mas a gente tem que evoluir e tem que acompanhar.
E nesse período eu já participava de alguma coisa na Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul). Em 1969, quando o presidente era o Luiz Fernando Cirne Lima (ex-ministro da Agricultura, que presidiu a Farsul entre 1968-1969) eu fiz um trabalho como estagiário da Farsul, de levantamento de municípios.
PR — Como é o ‘Chicão’ produtor rural?
Schardong — Olha, sempre me dediquei mesmo. Muitas vezes, patrão ausente, mas sempre buscando atividades em que não se precisava estar junto sempre. A pecuária ainda traz essa condição; a agricultura, não. Na pecuária, ainda existe a condição de, uma vez por semana, dando uma olhada, montando a cavalo, conhecendo as coisas, tendo um bom olho, ainda tocar a produção.
Na agricultura, não dá. Tem que ser patrão presente, porque tem hora pra tudo. Tem que intervir na lavoura na hora certa. Não pode olhar passando de carro, tem que caminhar no meio da lavoura. E um pecuarista com olho bom até de auto enxerga os erros.
O foco é a venda de terneiro. Eu fazia engorda antes, mas depois, com as divisões de herança, diminuíram as áreas, então não trabalho mais com engorda, mas só com gado de cria. É um trabalho que vive um bom momento hoje. E até hoje eu tenho cabanha de cavalo crioulo — é uma paixão. Ela é onerosa, mas vale a pena pelo gosto.
Hoje eu sou uma visita lá fora, em Triunfo. O meu filho Carlos Frederico Schardong assumiu há dez anos. Ele aprendeu muita coisa trabalhando comigo, mas acho também que a pessoa, nos primeiros tempos, precisa trabalhar um pouco sozinha. Prefiro às vezes que a pessoa erre para aprender, porque o erro corrige. Dou os meus palpites, mas ele está indo bem. O importante é que gostou. A pessoa tem que ter o gosto para isso: de curar uma bicheira, consertar uma cerca, arrumar uma mangueira. A lida de campo é para quem gosta, e não para quem quer.
PR — Como foi a experiência no setor público?
Schardong — Primeiro, eu fui professor estadual de técnicas agrícolas. Em 1978, ingressei na Secretaria da Agricultura. Naquele tempo, cada município tinha um agrônomo regional da Secretaria, e eu fui o de Triunfo. Depois, vim trabalhar aqui em Porto Alegre, quando o João Jardim assumiu como secretário (1983-1986). Sempre trabalhando como engenheiro agrônomo e, nos fins de semana, tocando a propriedade em Triunfo, que era perto.
Mais tarde, passei seis anos emprestado para o Ministério da Agricultura, para executar a campanha de erradicação do cancro cítrico, doença que prejudica a fruticultura e entrou na mira na década de 1980 no Estado. Aí conheci bem o Rio Grande do Sul, porque trabalhei diretamente no campo, em um trabalho difícil de ser feito. Não era fácil entrar na propriedade, identificar os pés de laranjeira que estavam com o problema e ter que cortar. Foi muito doloroso, mas isso foi feito conforme assumido.
Sou um cara aberto e sei chegar no produtor rural. Sei falar a linguagem dele. O produtor é meio encolhido, tem que saber chegar. Se chegar mal, não colhe nada. E eu aprendi isso nos tempos de Secretaria, sempre convivendo no interior. O produtor rural é uma excelente pessoa, mas muito retraído, desconfiado e ressabiado.
Voltei para a secretaria e continuei trabalhando até me aposentar, mas sempre destacado em algum município, tirando férias de um colega, indo nas estações experimentais… No meu tempo, a Secretaria da Agricultura era uma potência, era a mais forte que tinha no Estado. Hoje, ela está muito mais administrativa do que tocando o serviço que compete a ela.
PR — O que veio primeiro: a atuação política ou a sindical?
Schardong — Foi como sindicalista que eu me tornei vereador de Triunfo (1988-1992) e depois prefeito (1993-1996), montando aqueles movimentos reivindicatórios sobre as dívidas do setor. Eu fui presidente do Sindicato Rural entre os anos de 1986-1992 e 1995-2001 e também diretor da Farsul (desde 1991), antes de me tornar vereador e prefeito. Sempre gostei da política, tenho isso no sangue e até hoje participo. E sempre fui um homem de lado.
O maior problema que eu via naquela época era o atendimento ao homem do campo. Essa foi a minha bandeira. Por mais que tivesse o Polo Petroquímico, a que Triunfo foi agraciado e sem dúvida era uma mola propulsora da economia, o município tinha vocação rural, e nós não podíamos esquecer esse segmento. Então, eu pude fazer uma ligação muito forte, ajudando em coisas como no apoio ao produtor com transporte gratuito de calcário, na oferta de patrulha agrícola, com vários tratores trabalhando. Acredito que criei um ambiente bom para o produtor rural de Triunfo.
PR — Como chegou na Farsul?
Schardong — Eu tenho mais de 30 anos de casa. Como presidente do Sindicato Rural de Triunfo, durante 12 anos, eu já convivia na Farsul, fazendo parte de algumas comissões de trabalho. Entrei na diretoria no primeiro mandato do presidente Hugo Paz (1991-1997).
Ajudei na campanha do presidente Sperotto (Carlos Sperotto, 1997-2017) e toquei naqueles anos todos. E hoje estou com o presidente Gedeão (Gedeão Pereira, desde 2017), como diretor administrativo e presidente das Comissões de Exposições e Feiras e do Arroz. Aqui na casa eu digo que sou o caseiro: como diretor administrativo, a gente precisa estar mais permanente por aqui.
PR — Quais foram os momentos mais marcantes nessa trajetória com a Farsul?
Schardong — Foram os movimentos do setor, sem dúvida. Um dos primeiros foi o de defesa da propriedade, que a Farsul fez quando houve aqueles problemas sérios com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no passado. Vivemos momentos difíceis, bastante conturbados, e a Farsul foi uma defensora do produtor com toda a força das lideranças do interior do Rio Grande (os conflitos aumentaram na década de 1990, com uma série de invasões a propriedades rurais gaúchas).
Também fizemos grandes mobilizações nacionais, principalmente na época do Sperotto. Fomos a cavalo a Brasília, quando o presidente ainda era o FHC - Fernando Henrique Cardoso. Saímos de Porto Alegre, em busca das reivindicações do setor, e levamos 56 dias de viagem (o movimento foi chamado de Cavalgada da Integração Nacional na Defesa da Produção Rural e ocorreu em 2001, com a intenção de resolver o problema do endividamento agrícola).
No Caminhonaço, chegamos em Brasília com 1.800 caminhões (mobilização em 1999 que pedia o fim da transferência de resultados para as instituições financeiras). No tratoraço, fomos de ônibus, e o Brasil Central levou os tratores (protesto em 2005 por conta da falta de renda no campo e dos altos custos de produção, com centenas de veículos estacionados na Esplanada dos Ministérios).
Quando teve o Abril Vermelho do MST (atos dos movimento sem-terra referentes à reforma agrária], fizemos o Maio Verde em contraponto. Viramos o Rio Grande todo, de município em município, com a caravana (o Maio Verde foi uma carreata pacífica de 2,5 mil quilômetros em 2004 em protesto contra as invasões de terra e cobrando reintegrações de posse).
E no Rio Grande do Sul, o palanque eleitoral da Farsul foi um trabalho importante, que acompanhava candidatos alinhados com o setor rural em comícios pelo Estado, dando apoio (esse movimento foi criado em 2002 e teve a participação do governador eleito Germano Rigotto, do Pmdb, além de Antônio Britto e Celso Bernardi; os três eram adversários de Tarso Genro, do PT, que tentava suceder Olívio Dutra no Palácio Piratini e chegou ao segundo turno).
Em Esteio, na Expointer, a Farsul também ficou como responsável por todo aquele movimento nas pistas depois que foi feito um convênio com o governo do Estado (para manutenção de estruturas, pistas e galpões de remates da pecuária, exceto cavalo crioulo; assinado em 2003 e renovado até 2027). A Federação é protagonista da feira hoje. Sem ela, acho que nem sairia mais Expointer, pela força empreendida no evento. Isso tudo faz parte da história da Farsul, e estive junto.
PR — O senhor acompanhou de perto a transformação da Expointer e das feiras do interior, certo?
Schardong — Eu estava na Expointer, junto com o professor Lobato, em 1969, quando ela foi inaugurada em Esteio. No ano passado, íamos comemorar 50 anos (do Parque de Exposições Assis Brasil, cuja festa foi adiada por conta da pandemia). Mas participo, na verdade, desde guri, com cinco ou seis anos de idade, ainda na época da exposição no Menino Deus [onde atualmente fica a sede da Secretaria Estadual da Agricultura. Eu pegava um bonde na Santa Casa e ia até o Menino Deus, quando morava na avenida Alberto Bins.
Em 1969, essa transferência para Esteio foi difícil, porque muitos produtores não aceitavam a mudança. Mas se não fosse feita naquela época, talvez não tivesse se tornado essa grande Expointer de hoje. O secretário da Agricultura Luciano Machado e o governador Peracchi Barcelos (1967-1971) tiveram a coragem de fazer a mudança e compraram aquela área de Esteio da família Kroeff (o motivo era que o local onde era realizada a feira estava ficando pequeno para abrigar os produtores diante do crescimento da participação do Mercosul).
Desde então, houve uma evolução fantástica. Os parques de exposições nossos no interior, que já eram fortes, foram crescendo. Após o Esteio, temos 32 feiras e exposições fortes por ano, com uma representação muito grande. A Expointer não tem mais aquela quantidade toda de gado: os produtores trazem uma amostra do seu produto de alta qualidade genética para depois vender nas feiras do município ou na própria cabanha.
PR — De onde surgiu a identificação com o setor do arroz?
Schardong — Quando João Carlos Machado [ex-diretor da Farsul e ex-secretário da Agricultura, que era presidente da Comissão do Arroz da Farsul, saiu para a prefeitura de Camaquã [foi prefeito por três vezes, a primeira entre 2001-2004, o presidente Sperotto me chamou e passou a responsabilidade para mim.
Desde ali, a gente vem desenvolvendo, estamos juntos sempre. Fui presidente da Câmara Setorial do Arroz do Ministério da Agricultura e da Comissão Nacional do Arroz da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, composta pela Farsul e as demais federações estaduais e seus sindicatos rurais). A lavoura de arroz sempre foi muito penalizada economicamente e ambientalmente. E com esse perfil do setor que venho trabalhando na Comissão do Arroz da Farsul.
PR — O que espera do futuro da agropecuária gaúcha?
Schardong — Estamos vivendo um novo momento na lavoura do arroz. Ela vinha há muitos anos padecendo, vendendo abaixo do custo de produção. Mas, a partir do ano passado, esse cenário teve uma reviravolta, pelo próprio entendimento do produtor de que era preciso diminuir um pouco a área e criar melhores condições de trabalhar, olhando para a sinalização que o mercado estava mostrando.
Além disso, as aptidões comerciais do mundo estão voltadas para as nossas exportações. E a indústria também chegou à conclusão de que não vive sem o arrozeiro, assim como o arrozeiro não vive sem a indústria.
A pecuária também está bombando. Os preços estão convidativos para a venda, mas o pecuarista precisa ficar atento depois na reposição, onde pode ter mais dificuldade, com preços quase iguais. Ele tem que cuidar para não se enganar com preços excepcionais de venda do gado e depois passar trabalho na hora de fazer a reposição e seguir a atividade.
O futuro é promissor porque o mundo conheceu a qualidade dos alimentos que estamos exportando: arroz, soja, carne, ovinos, frango, suínos. É todo um complexo. A fome do mundo descobriu o Rio Grande, e isso é muito salutar. Para nós, é muito importante esse momento.
Engenheiro agrônomo aposentado da Secretaria Estadual da Agricultura, ex-vereador e ex-prefeito de Triunfo, Schardong construiu uma trajetória marcante como sindicalista. Faz parte, há mais de 30 anos, da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Apaixonado pelo campo e pelas tradições gaúchas, buscou sempre representar fielmente os interesses do produtor rural nas mais diversas frentes. Nesta entrevista concedida ao portal Página Rural por telefone ele conta um pouco de sua caminhada no setor.
Página Rural — Quando despertou essa sua paixão pelo campo?
Francisco Schardong — Desde pequeno, sempre estive na lida. Tirei o primário, o ginásio e o científico no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, por doze anos, e passava as férias em Triunfo, na fazenda da família, a Granja das Figueiras. Sempre acompanhei o trabalho com o meu pai, já antes da faculdade, assumindo tarefas e ajudando em tudo.
A família trabalhava muito com silvicultura, então essa parte ficou com meu pai e eu fiquei mais com a parte de pecuária. Ela investia em matas de eucalipto e fornecia matéria-prima para Porto Alegre. Naquela época, na A. J. Renner e na maltaria da Brahma, por exemplo, todas as caldeiras eram movidas a lenha. Então nos dedicamos a isso, e tinham barcos trabalhando no rio para puxar esse material, porque todo o transporte ainda era fluvial.
Comecei cedo, ainda quando era estudante no científico. Depois, fiz quatro anos de Agronomia e me formei em 1970, pela Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
PR — O que mudou nos tempos de faculdade?
Schardong — Durante aqueles quatro anos, eu fiz muitos estágios, junto com o professor Lobato, que foi meu colega de turma (José Fernando Piva Lobato, professor do Departamento de Zootecnia da Ufrgs). A gente caminhou e trabalhou por esse Rio Grande todo. Na própria faculdade e depois como engenheiro agrônomo da Secretaria da Agricultura do RS, onde me aposentei.
O curso de Agronomia exigia alguns trabalhos, e pude escolher o segmento: agricultura, pecuária, pastagens... Eu me dediquei principalmente na pecuária, nas pastagens, e alguma coisa de agricultura básica. Aprendi o que eu precisava para o meu futuro depois. Onde eu ia trabalhar, eu buscava os ensinamentos. Depois, vim me especializando. Hoje é bem diferente do que era quando comecei lá atrás, mas a gente tem que evoluir e tem que acompanhar.
E nesse período eu já participava de alguma coisa na Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul). Em 1969, quando o presidente era o Luiz Fernando Cirne Lima (ex-ministro da Agricultura, que presidiu a Farsul entre 1968-1969) eu fiz um trabalho como estagiário da Farsul, de levantamento de municípios.
PR — Como é o ‘Chicão’ produtor rural?
Schardong — Olha, sempre me dediquei mesmo. Muitas vezes, patrão ausente, mas sempre buscando atividades em que não se precisava estar junto sempre. A pecuária ainda traz essa condição; a agricultura, não. Na pecuária, ainda existe a condição de, uma vez por semana, dando uma olhada, montando a cavalo, conhecendo as coisas, tendo um bom olho, ainda tocar a produção.
Na agricultura, não dá. Tem que ser patrão presente, porque tem hora pra tudo. Tem que intervir na lavoura na hora certa. Não pode olhar passando de carro, tem que caminhar no meio da lavoura. E um pecuarista com olho bom até de auto enxerga os erros.
O foco é a venda de terneiro. Eu fazia engorda antes, mas depois, com as divisões de herança, diminuíram as áreas, então não trabalho mais com engorda, mas só com gado de cria. É um trabalho que vive um bom momento hoje. E até hoje eu tenho cabanha de cavalo crioulo — é uma paixão. Ela é onerosa, mas vale a pena pelo gosto.
Hoje eu sou uma visita lá fora, em Triunfo. O meu filho Carlos Frederico Schardong assumiu há dez anos. Ele aprendeu muita coisa trabalhando comigo, mas acho também que a pessoa, nos primeiros tempos, precisa trabalhar um pouco sozinha. Prefiro às vezes que a pessoa erre para aprender, porque o erro corrige. Dou os meus palpites, mas ele está indo bem. O importante é que gostou. A pessoa tem que ter o gosto para isso: de curar uma bicheira, consertar uma cerca, arrumar uma mangueira. A lida de campo é para quem gosta, e não para quem quer.
PR — Como foi a experiência no setor público?
Schardong — Primeiro, eu fui professor estadual de técnicas agrícolas. Em 1978, ingressei na Secretaria da Agricultura. Naquele tempo, cada município tinha um agrônomo regional da Secretaria, e eu fui o de Triunfo. Depois, vim trabalhar aqui em Porto Alegre, quando o João Jardim assumiu como secretário (1983-1986). Sempre trabalhando como engenheiro agrônomo e, nos fins de semana, tocando a propriedade em Triunfo, que era perto.
Mais tarde, passei seis anos emprestado para o Ministério da Agricultura, para executar a campanha de erradicação do cancro cítrico, doença que prejudica a fruticultura e entrou na mira na década de 1980 no Estado. Aí conheci bem o Rio Grande do Sul, porque trabalhei diretamente no campo, em um trabalho difícil de ser feito. Não era fácil entrar na propriedade, identificar os pés de laranjeira que estavam com o problema e ter que cortar. Foi muito doloroso, mas isso foi feito conforme assumido.
Sou um cara aberto e sei chegar no produtor rural. Sei falar a linguagem dele. O produtor é meio encolhido, tem que saber chegar. Se chegar mal, não colhe nada. E eu aprendi isso nos tempos de Secretaria, sempre convivendo no interior. O produtor rural é uma excelente pessoa, mas muito retraído, desconfiado e ressabiado.
Voltei para a secretaria e continuei trabalhando até me aposentar, mas sempre destacado em algum município, tirando férias de um colega, indo nas estações experimentais… No meu tempo, a Secretaria da Agricultura era uma potência, era a mais forte que tinha no Estado. Hoje, ela está muito mais administrativa do que tocando o serviço que compete a ela.
PR — O que veio primeiro: a atuação política ou a sindical?
Schardong — Foi como sindicalista que eu me tornei vereador de Triunfo (1988-1992) e depois prefeito (1993-1996), montando aqueles movimentos reivindicatórios sobre as dívidas do setor. Eu fui presidente do Sindicato Rural entre os anos de 1986-1992 e 1995-2001 e também diretor da Farsul (desde 1991), antes de me tornar vereador e prefeito. Sempre gostei da política, tenho isso no sangue e até hoje participo. E sempre fui um homem de lado.
O maior problema que eu via naquela época era o atendimento ao homem do campo. Essa foi a minha bandeira. Por mais que tivesse o Polo Petroquímico, a que Triunfo foi agraciado e sem dúvida era uma mola propulsora da economia, o município tinha vocação rural, e nós não podíamos esquecer esse segmento. Então, eu pude fazer uma ligação muito forte, ajudando em coisas como no apoio ao produtor com transporte gratuito de calcário, na oferta de patrulha agrícola, com vários tratores trabalhando. Acredito que criei um ambiente bom para o produtor rural de Triunfo.
PR — Como chegou na Farsul?
Schardong — Eu tenho mais de 30 anos de casa. Como presidente do Sindicato Rural de Triunfo, durante 12 anos, eu já convivia na Farsul, fazendo parte de algumas comissões de trabalho. Entrei na diretoria no primeiro mandato do presidente Hugo Paz (1991-1997).
Ajudei na campanha do presidente Sperotto (Carlos Sperotto, 1997-2017) e toquei naqueles anos todos. E hoje estou com o presidente Gedeão (Gedeão Pereira, desde 2017), como diretor administrativo e presidente das Comissões de Exposições e Feiras e do Arroz. Aqui na casa eu digo que sou o caseiro: como diretor administrativo, a gente precisa estar mais permanente por aqui.
PR — Quais foram os momentos mais marcantes nessa trajetória com a Farsul?
Schardong — Foram os movimentos do setor, sem dúvida. Um dos primeiros foi o de defesa da propriedade, que a Farsul fez quando houve aqueles problemas sérios com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no passado. Vivemos momentos difíceis, bastante conturbados, e a Farsul foi uma defensora do produtor com toda a força das lideranças do interior do Rio Grande (os conflitos aumentaram na década de 1990, com uma série de invasões a propriedades rurais gaúchas).
Também fizemos grandes mobilizações nacionais, principalmente na época do Sperotto. Fomos a cavalo a Brasília, quando o presidente ainda era o FHC - Fernando Henrique Cardoso. Saímos de Porto Alegre, em busca das reivindicações do setor, e levamos 56 dias de viagem (o movimento foi chamado de Cavalgada da Integração Nacional na Defesa da Produção Rural e ocorreu em 2001, com a intenção de resolver o problema do endividamento agrícola).
No Caminhonaço, chegamos em Brasília com 1.800 caminhões (mobilização em 1999 que pedia o fim da transferência de resultados para as instituições financeiras). No tratoraço, fomos de ônibus, e o Brasil Central levou os tratores (protesto em 2005 por conta da falta de renda no campo e dos altos custos de produção, com centenas de veículos estacionados na Esplanada dos Ministérios).
Quando teve o Abril Vermelho do MST (atos dos movimento sem-terra referentes à reforma agrária], fizemos o Maio Verde em contraponto. Viramos o Rio Grande todo, de município em município, com a caravana (o Maio Verde foi uma carreata pacífica de 2,5 mil quilômetros em 2004 em protesto contra as invasões de terra e cobrando reintegrações de posse).
E no Rio Grande do Sul, o palanque eleitoral da Farsul foi um trabalho importante, que acompanhava candidatos alinhados com o setor rural em comícios pelo Estado, dando apoio (esse movimento foi criado em 2002 e teve a participação do governador eleito Germano Rigotto, do Pmdb, além de Antônio Britto e Celso Bernardi; os três eram adversários de Tarso Genro, do PT, que tentava suceder Olívio Dutra no Palácio Piratini e chegou ao segundo turno).
Em Esteio, na Expointer, a Farsul também ficou como responsável por todo aquele movimento nas pistas depois que foi feito um convênio com o governo do Estado (para manutenção de estruturas, pistas e galpões de remates da pecuária, exceto cavalo crioulo; assinado em 2003 e renovado até 2027). A Federação é protagonista da feira hoje. Sem ela, acho que nem sairia mais Expointer, pela força empreendida no evento. Isso tudo faz parte da história da Farsul, e estive junto.
PR — O senhor acompanhou de perto a transformação da Expointer e das feiras do interior, certo?
Schardong — Eu estava na Expointer, junto com o professor Lobato, em 1969, quando ela foi inaugurada em Esteio. No ano passado, íamos comemorar 50 anos (do Parque de Exposições Assis Brasil, cuja festa foi adiada por conta da pandemia). Mas participo, na verdade, desde guri, com cinco ou seis anos de idade, ainda na época da exposição no Menino Deus [onde atualmente fica a sede da Secretaria Estadual da Agricultura. Eu pegava um bonde na Santa Casa e ia até o Menino Deus, quando morava na avenida Alberto Bins.
Em 1969, essa transferência para Esteio foi difícil, porque muitos produtores não aceitavam a mudança. Mas se não fosse feita naquela época, talvez não tivesse se tornado essa grande Expointer de hoje. O secretário da Agricultura Luciano Machado e o governador Peracchi Barcelos (1967-1971) tiveram a coragem de fazer a mudança e compraram aquela área de Esteio da família Kroeff (o motivo era que o local onde era realizada a feira estava ficando pequeno para abrigar os produtores diante do crescimento da participação do Mercosul).
Desde então, houve uma evolução fantástica. Os parques de exposições nossos no interior, que já eram fortes, foram crescendo. Após o Esteio, temos 32 feiras e exposições fortes por ano, com uma representação muito grande. A Expointer não tem mais aquela quantidade toda de gado: os produtores trazem uma amostra do seu produto de alta qualidade genética para depois vender nas feiras do município ou na própria cabanha.
PR — De onde surgiu a identificação com o setor do arroz?
Schardong — Quando João Carlos Machado [ex-diretor da Farsul e ex-secretário da Agricultura, que era presidente da Comissão do Arroz da Farsul, saiu para a prefeitura de Camaquã [foi prefeito por três vezes, a primeira entre 2001-2004, o presidente Sperotto me chamou e passou a responsabilidade para mim.
Desde ali, a gente vem desenvolvendo, estamos juntos sempre. Fui presidente da Câmara Setorial do Arroz do Ministério da Agricultura e da Comissão Nacional do Arroz da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, composta pela Farsul e as demais federações estaduais e seus sindicatos rurais). A lavoura de arroz sempre foi muito penalizada economicamente e ambientalmente. E com esse perfil do setor que venho trabalhando na Comissão do Arroz da Farsul.
PR — O que espera do futuro da agropecuária gaúcha?
Schardong — Estamos vivendo um novo momento na lavoura do arroz. Ela vinha há muitos anos padecendo, vendendo abaixo do custo de produção. Mas, a partir do ano passado, esse cenário teve uma reviravolta, pelo próprio entendimento do produtor de que era preciso diminuir um pouco a área e criar melhores condições de trabalhar, olhando para a sinalização que o mercado estava mostrando.
Além disso, as aptidões comerciais do mundo estão voltadas para as nossas exportações. E a indústria também chegou à conclusão de que não vive sem o arrozeiro, assim como o arrozeiro não vive sem a indústria.
A pecuária também está bombando. Os preços estão convidativos para a venda, mas o pecuarista precisa ficar atento depois na reposição, onde pode ter mais dificuldade, com preços quase iguais. Ele tem que cuidar para não se enganar com preços excepcionais de venda do gado e depois passar trabalho na hora de fazer a reposição e seguir a atividade.
O futuro é promissor porque o mundo conheceu a qualidade dos alimentos que estamos exportando: arroz, soja, carne, ovinos, frango, suínos. É todo um complexo. A fome do mundo descobriu o Rio Grande, e isso é muito salutar. Para nós, é muito importante esse momento.
Fonte: Página Rural